Alterações da Lei nº 14.133/21 sobre o processo de contratação direta (inexigibilidade e dispensa de licitação)

As contratações diretas da Administração – ou seja, aquelas feitas nas hipóteses de inexigibilidade ou dispensa de licitação – ganharam capítulo específico na nova lei de licitações, englobando os artigos 72 a 75. Não houve grandes mudanças quanto à lógica por trás dessa modalidade de contratação e quanto às hipóteses específicas que a ensejam – falaremos disso depois –, mas as alterações promovidas no processo de contratação direta merecem atenção.

A contratação direta, responsável por cerca de 56% dos valores contratados pela União em 2020, herdou vários cuidados preparatórios que, antes, na Lei nº 8.666/93, eram observados apenas no âmbito de licitações. Se, na lei anterior, previa-se a instrução da contratação direta com vários elementos facultativos – as expressões “no que couber” e “quando for o caso” dão a tônica do parágrafo único e dos incisos do art. 26 –, na nova lei são exigidos os seguintes documentos:

  • documento de formalização de demanda e, se for o caso, estudo técnico preliminar, análise de riscos, termo de referência, projeto básico ou projeto executivo;
  • estimativa de despesa, calculada na forma estabelecida no art. 23;
  • parecer jurídico e pareceres técnicos, se for o caso, que demonstrem o atendimento dos requisitos exigidos;
  • demonstração da compatibilidade da previsão de recursos orçamentários com o compromisso a ser assumido;
  • comprovação de que o contratado preenche os requisitos de habilitação e qualificação mínima necessária;
  • razão da escolha do contratado;
  • justificativa de preço;
  • autorização da autoridade competente.

Ou seja: à exceção dos pareceres técnicos, dos projetos, da análise de riscos e do estudo técnico preliminar, todos os elementos acima deverão estar presentes na preparação de toda e qualquer contratação direta, sem margem de discricionariedade para o administrador. Há um forte paralelo, portanto, entre a fase preparatória da contratação direta e a fase preparatória da licitação.

Se, por um lado, a nova lei procurou simplificar e uniformizar o procedimento das diferentes modalidades de licitação por meio do art. 17, o procedimento de contratação direta, por outro, passou a contar com maior rigor formal – e, vale frisar, isso não é algo necessariamente ruim, pois a maioria das novas exigências têm razão de ser e buscam evitar fraudes naquilo que é o principal meio de investimento do dinheiro público. A depender do ente federativo responsável pela licitação, uma reduzida equipe de servidores, com a devida capacitação, pode dar conta do recado com qualidade e agilidade.

Agora, passemos às hipóteses que justificam a contratação direta, a começar pela inexigibilidade de licitação. Como dito acima, a lógica foi mantida: há um dever da Administração de não licitar em situações que apresentem inviabilidade de competição (por exemplo, a existência de um único fornecedor) ou inviabilidade de disputa (impossibilidade de um julgamento baseado em critérios objetivos). A boa notícia é a extinção do termo “natureza singular”, jabuticaba da lei antiga que, apesar de gerar grande debate, somente indicava, no fim das contas, a ausência de critérios objetivos para a seleção de propostas.

Outra novidade relevante foi a previsão de aquisição e locação de imóveis como hipóteses de inexigibilidade, ao passo que, na lei anterior, eram de dispensa de licitação. Nesse contexto, o § 5º do art. 74 passou a exigir a realização de (i) avaliação prévia do bem, do seu estado de conservação e dos custos de adaptações, quando imprescindíveis às necessidades de utilização, e prazo de amortização dos investimentos; (ii) a certificação da inexistência de imóveis públicos vagos e disponíveis que atendam ao objeto; e (iii) a apresentação das justificativas que demonstrem a singularidade do imóvel a ser comprado ou locado pela Administração e que evidenciem vantagem para ela.

Já em relação à dispensa de licitação, a lógica também permanece a mesma: é facultado ao administrador não realizar um processo de licitação, seja porque seria inoportuno, seja porque seria desnecessário, sempre a depender do caso concreto. Na mesma linha, as hipóteses de dispensa continuaram similares às da lei anterior. Vale lembrar que, ao contrário do que ocorre na inexigibilidade, o rol legal de hipóteses de dispensa de licitação é taxativo, ou seja, não comporta analogias ou exceções, e isso porque tais hipóteses são, geralmente, escolhas meramente políticas do legislador.[1] No mais, houve aumento dos valores que justificam a dispensa de licitação: R$ 100.000,00, no caso de obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos automotores; e R$ 50.000,00 no caso de outros serviços e compras.

Por fim, falemos brevemente das sanções para irregularidades na contratação direta. O art. 73 da nova lei de licitações estabeleceu que, em caso de contratação direta indevida feita com dolo, fraude ou erro grosseiro, o contratado e o agente público responsável responderão solidariamente pelo dano causado ao erário, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis. Isso significa que, para além das já conhecidas sanções administrativas e cíveis – ressarcimento do prejuízo causado, proibição de contratar com a Administração etc. –, também poderá haver condenação criminal, visto que a nova lei alterou o Código Penal e, nele, incluiu um novo tipo penal, descrito no art. 337-E: “admitir, possibilitar ou dar causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em lei”, sujeitando o indivíduo a uma pena de reclusão de 4 a 8 anos. Frise-se, porém, que qualquer condenação – seja ela cível, administrativa ou criminal – deverá observar as ponderações previstas no caput e nos parágrafos do art. 22 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).

Autor: Lorenzo Caser Mill


[1] Um exemplo é a dispensa na contratação de coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis realizados por associações ou cooperativas formadas por pessoas físicas de baixa renda reconhecidas pelo poder público como catadores de materiais recicláveis (art. 75, IV, “j”).

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